quinta-feira, 30 de abril de 2009

A falácia do instinto de propagação dos genes


Lúcia não tem nenhuma dessas características, mas Alan prefere ela.

PINHEIRO, Daniela. O que torna você sexy? Veja, 21 jan de 2004. p.78 (Não, a revista Veja não serve só como papel higiênico. De vez em quando sai alguma coisa interessante.)

Segundo os cientistas, escolhemos nosso parceiro norteados pelo instinto de propagação dos genes. Instintivamente, levamos em conta algumas características que seriam evidência de saúde, de capacidade reprodutora e de condições de manutenção da prole. Assim, homens observam a cintura e os quadris das mulheres; as mulheres, por sua vez, observam a altura e o porte físico dos homens, preferindo aqueles com traços mais rústicos e menos delicados.

Será que a escolha do parceiro é puramente biológica? Definitivamente não. Se assim fosse, Alan não teria preferido a esposa a mim. Lúcia é bem mais velha que ele, não pode mais ter filhos, é tão magra que parece um cadáver, não tem seios nem quadris proeminentes, usa cabelo curto no estilo masculino e em seu rosto destacam-se as olheiras e o buço. Em resumo: Lúcia é feia, horrorosa. Os dois formam um casal tão desarmônico do ponto de vista estético que quem os observa é inevitavelmente levado a se questionar: “como ele consegue sentir tesão por ela?”

O fato é que acredito sinceramente que ele sinta tesão por ela. Como todo homem casado, ele me dizia que não, dizia que não conseguia transar com ela e que enrolava para fazer sexo oral. Já comigo, tudo era diferente. Ele me achava linda, toda hora queria me fotografar, dizia que eu era perfeita transando e que evitava olhar pra mim no trabalho, porque ficava excitado com facilidade. Não que eu me ache linda, mas diante de Lúcia, qualquer uma é mais bonita. O fato é que nem o instinto de propagação dos genes jogou a meu favor – ele chegou a fantasiar um pos
sível filho comigo, mas só fantasiou. Hoje em dia, estou sozinha, e Alan continua com a Lúcia.

Por que ele não optou por mim? Como pude ser tão incompetente a ponto de não conseguir tirar o Alan daquela mulher? Competição imbecil. Minhas características biológicas não falaram mais alto que os hábitos consolidados de um casamento que já dura mais de dez anos. Alan construiu a casinha que eles moram e colocou tudo de seu jeito. Ele pintou as paredes de verde, cuida de um aquário enorme, comprou móveis de qualidade excelente e equipou a casa com os mais modernos eletrodomésticos. Alan cria a enteada como filha e a ama profundamente. Alan se acostumou a ser tratado como banco e não se importa em abrir a carteira para satisfazer as futilidades das duas. Lúcia cozinha pra ele, lava sua roupa e passa suas blusas de botão de forma irrepreensível. Há coisas negativas, é claro. Ele é policiado constantemente, seu celular toca de cinco em cinco minutos e ele tem que lhe dar satisfações de cada passo que dá. Mas ele é feliz assim, por mais que diga o contrário. Ele adora o casamento, a família que construiu e acha o máximo ser motivo de ciúme.

Há quem argumente que se um casamento é feliz, a traição não acontece, que o homem só arruma amante quando as coisas não vão bem. Não acredito nisso. Pelo menos no meu caso, o que aconteceu é que Alan queria um pouco de emoção e precisava se sentir desejado por uma mulher mais nova. Satisfeitos esses desejos, pronto! Era só voltar para a rotina de antes e fingir que nada acontecera. Começar uma vida do zero era algo que não estava nos seus planos.

Pensando bem, Alan também não reúne as características ideais... mas mesmo assim me apaixonei por ele. (clique no quadro para vê-lo grande)
Sexo: Como nossos ancestrais. Veja, 23 de julho de 2003.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Mentiras de homem casado que arranja namoradinha fora de casa

* Não amo mais a minha esposa
* Não transo mais com a minha mulher, não sinto tesão por ela
* Minha mulher não topa nada na cama, ela é muito tradicional
* Não posso sair de casa porque tenho umas coisas para resolver, mas ano que vem eu saio
* Minha mulher está doente, por isso não posso deixá-la
* Nunca tive amantes, você é a primeira
* Pensei muito em você no fim-de-semana
* Só mantenho meu casamento por causa dos filhos

Como gostaríamos que fosse tudo verdade!

sábado, 25 de abril de 2009

Estupro consentido por sete meses seguidos

Ao conceituar “fato social”, Émile Durkheim dizia que, para que uma pessoa se sinta punida, basta uma palavra, um deboche, uma indiferença, não sendo necessário o uso da força. Do mesmo modo, para que alguém se sinta forçado a adotar determinada atitude, não é preciso que esteja sendo ameaçado. Foi assim que me senti nos sete meses em que me relacionei com o Mauro. Ninguém apontou uma arma para a minha cabeça, mas me senti obrigada a ficar com ele. Foi uma das maiores violências que fiz contra mim mesma.

Mauro não bebia, não fumava, não tinha ex-mulher nem problemas psicológicos. Era sério, tinha uma família extremamente estruturada, era carinhoso e atencioso, estava sempre disponível quando eu precisava e aceitava de bom grado ir aos lugares que eu sugeria, não dando mostras de que estava ali forçado. Minha mãe, minha amiga Letícia, entidades afrobrasileiras e até o Alan me diziam para investir naquela relação. Cada vez que eu recuava e pensava em terminar tudo, era acusada de não estar me esforçando para esquecer meu ex.

Assim, à semelhança das mulheres de antigamente, que se casavam esperando que o amor viesse com o tempo, tentei gostar do Mauro. Sim, realmente tentei, tentei me divertir e me sentir feliz. Se precisasse apenas sair, estaria tudo certo. O problema é que também precisava transar. Afinal, ele não saía comigo para admirar obras de arte de artistas anônimos a troco de nada. Estava implícito que a moeda de troca era o sexo.

Por sete meses, me dirigi inúmeras vezes ao quarto de motel como se estivesse entrando em uma cela de tortura. Eu não sentia absolutamente nada por aquela pessoa, apenas repudiava aqueles movimentos bruscos, que rasgavam as camisinhas mais simples, aquela pele branca demais e aquele suor nojento. As relações eram demasiadamente longas, e várias vezes me peguei rezando para que acabassem logo. Quando tudo acabava, minha sensação de missão cumprida era tão forte que eu começava a sorrir, a falar sem parar e a andar quase flutuando. Muito provavelmente, ele interpretava esse meu comportamento como uma prova incontestável de que eu adorava transar com ele.

Eu não pensava no Alan quando transava com Mauro. Acho que os homens conseguem imaginar a bunda de uma mulher que sai nua na Playboy quando transam com uma pessoa desagradável, mas para as mulheres a coisa é um pouco diferente. Eu não conseguia imaginar outra pessoa, nem mesmo o Alan. Ás vezes, quando acabava a primeira transa (sim, porque ele queria três), eu ia para o banheiro e chorava. Voltava, deitava na cama deprimida e apenas alegava estar cansada. Ele nunca desconfiou o que se passava dentro de mim.

Já no sétimo mês, eu fiquei uma semana impossibilitada de sair de casa, mantendo contato com ele apenas via internet. Até pensei em continuar na relação, mas cada vez que ele apenas sugeria estar a fim de transar, eu sentia pânico. Houve um domingo em que acordei péssima, com tanta repulsa, que contei pra minha mãe o que sentia, passei o dia todo deitada chorando em desespero. Ela ficou assustada e tirou o corpo fora, dizendo que nunca tinha me estimulado a ficar com ele. Foi então que decidi terminar tudo.

Aos 16 anos, eu havia prometido para mim mesma que nunca mais ia ficar com alguém que eu não gostasse, pois tinha acabado de sair de uma relação na qual só quem amava era o meu namorado. Aos 25, eu parecia ter esquecido essa promessa. Ao menos naquela época eu ainda não transava, mas mesmo assim me sentia violentada tendo que aturar aquela companhia. Hoje, enfrento a solidão, não por me sentir capaz de ser só, mas por ser incapaz de me permitir ser violentada novamente.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Ele poderia ir ao telefone público e ligar a cobrar; ele poderia ligar da casa da mãe dele, do trabalho, ou pedir o celular de algum amigo emprestado rapidinho; ele poderia mandar uma mensagem de texto pelos sites que oferecem o serviço de graça; ele poderia mandar um email, porque sabe que tenho 3 emails além daquele que excluí para não mais falar com ele; ele poderia passar na minha casa na volta do trabalho pra conversar por 3 minutos; ele poderia mandar recado por algum amigo em comum; ele poderia me procurar onde trabalho, porque ele sabe onde é. Mas ele não faz nada disso. E eu, idiota, querendo voltar a falar com ele. Quando será que terei amor-próprio?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

"Só por hoje"





Maços de Carlton no lugar da pessoa amada. Será possível substituir um vício por outro?


Aderi ao tabagismo no pior momento possível. O governo resolveu aumentar os impostos sobre o produto, os maços estão estampados com fotos chocantes, leis antifumo rigorosíssimas querem abolir o cigarro até dos bares e os ex-fumantes estão por toda parte fazendo seus sermões. De todos esses fatores, apenas o preço do cigarro me incomoda. Com relação às fotos chocantes, a única que me causa mal estar é a do cadáver de um rato, acompanhado por duas baratas mortas. As demais, que mostram seres humanos sofrendo, não me sensibilizam muito. Quanto às leis, por enquanto estão restritas a São Paulo, mas mesmo que o Rio de Janeiro resolva adotá-las, meus hábitos não precisarão se modificar, pois costumo me isolar para fumar e não incomodo ninguém.

Dentre os motivos que me levaram a fumar, estão a necessidade de ter uma muleta emocional, o desejo de autodestruição e, principalmente, a tentativa de colocar este vício no lugar de outro. Sempre senti a necessidade de me isolar, mas alguém no canto com cara de triste é algo que chama atenção, é quase um convite para a abordagem de gente que supostamente se preocupa em saber o que você tem. Um cigarro na mão, e pronto: todos entendem que você se isolou para fumar e não cobram maiores explicações sobre seu estado de espírito, no máximo podem ensaiar uma censura sobre o tabagismo.

Fumar é também uma boa alternativa para quem, como eu, gostaria muito de abreviar sua vida, mas não tem coragem de cometer suicídio. O que é mais chocante para os pais, encontrar o cadáver de seu filho com um tiro na cabeça ou vê-lo adoecer? Seguramente, ver seu cadáver em estado lamentável. Assim, me satisfaço prejudicando minha saúde de forma lenta para poupar meus pais de uma visão mais chocante.

Mas por que, só tardiamente, resolvi fumar? Desde os 17 anos sofro de depressão e só aos 26 experimentei os primeiros cigarros. Ou seja, se fosse tão somente o desejo de autodestruição, já estaria fumando há mais tempo. O fato é que minha principal motivação foi um amor desfeito.

Nada mais semelhante ao vício do que o estado lamentável em que o cérebro de uma pessoa apaixonada se encontra. Infelizmente, meu cérebro está nesse estado lamentável desde 2007, quando conheci Alan. Nossa relação foi bastante intensa, a tal ponto que trocávamos uns 3 emails por dia e, mesmo quando passávamos o dia inteiro juntos, isso não era suficiente. Lembro-me de ficar com Alan até umas 2 da manhã, mas a primeira coisa que fazia quando chegava a minha casa era acessar a Internet para conversar com ele, mesmo que já passasse das 3 da madrugada. Ele também relatava que mal chegava do trabalho e já ia correndo pra Internet, às vezes nem jantava, tudo porque gostava de conversar comigo.

Tudo isso mudou quando Alan chegou à conclusão que não valia mais a pena arriscar seu casamento. Primeiro, cessaram os telefonemas, mas continuaram as mensagens de celular; depois, cessaram as mensagens, cessaram os encontros, nosso contato ficou cada vez mais reduzido, não fosse por um porém: continuávamos viciados em conversar pela Internet. Quantas madrugadas viramos conversando! Quantas esperanças em suas palavras de que em breve voltaríamos a nos encontrar! Mas, também a Internet estava com seus dias contados. Com a esposa policiando cada passo seu, Alan não podia mais ficar grudado no computador como antes. E passou a adotar intervalos cada vez maiores para as nossas conversas. Quantas vezes fiquei em frente ao computador esperando, em vão, ele ficar on line! Meu sofrimento assemelhou-se, e muito, ao sofrimento de alguém que é forçado a largar um vício.

Meses se passaram e por inúmeras vezes tentei cortar qualquer contato com ele. Eu dizia “acabou, nunca mais vou conversar com você, vou te excluir, te bloquear”, mas no dia seguinte lá estava eu no MSN, adicionando-o novamente... e o pior é que ele não colaborava e quase sempre estava on line. Mas chega uma hora que tudo cansa, e eu cansei das falsas promessas, cansei de ouvir palavras vazias, cansei de receber telefonemas da esposa dele me dizendo baixarias. Foi, então, que deletei a conta de email que usava para conversar com ele e prometi a mim mesma que não voltaria a procurá-lo.

Como tem sido minha vida desde que fiz isso? Péssima. Sinto saudade? Sim, muita. Foi aí que comecei a fumar, para preencher o vazio que ele deixou, para substituir meu vício por ele pelo vício no cigarro, para tentar me autodestruir, preferindo sentir a dor de uma doença a ter que sentir a dor de mais um relacionamento desfeito em minha vida.

É possível substituir um vício por outro? Minha amiga diz que não, que os vícios tendem a se acumular, e não a sair de cena para dar lugar a outros. O fato é que já estou há 50 dias sem ter qualquer contato com Alan. Mas, assim como dizem os frequentadores dos Alcoólicos Anônimos, é só por hoje.

sábado, 18 de abril de 2009

Na crônica que escrevi abaixo, acabei revelando uma característica da minha personalidade: eu misturo várias religiões. Ainda não cheguei à conclusão se sou confusa ou apenas aberta a todo tipo de estudo sobre espiritualidade, mas o fato é que acho todas as visões sobre o tema muito interessantes e pouco contraditórias entre si. Os que são absolutamente avessos a qualquer tipo de crença, procurem refletir: se o mundo espiritual não existir, e tudo isso for fruto da insegurança humana diante da morte, há que se reconhecer pelo menos que a imaginação e a criatividade humana são simplesmente fantásticas.

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Que sou uma pessoa extremamente crédula e aberta a qualquer um que venha pregar a palavra de Deus pra mim, isso é fato. Serei eu também uma presa fácil para os falsos videntes?
Toda essa questão de pais e mães-de-santo que prometem trazer a pessoa amada em três (ou dois) dias me fez lembrar uma série que o Fantástico apresentou há alguns anos, chamada Operação bola de cristal. Nesta série, um ator foi treinado por um mágico e por um parapsicólogo para se passar por falso vidente, aprendendo técnicas de como ler o visual da pessoa para deduzir coisas sobre ela (leitura fria), usar informações que a própria "vítima" soltou sem que ela perceba e dizer frases que servem pra todo mundo, como:

* Você planejou coisas na infância, e muitas delas não conseguiu realizar;
* Em alguns momentos você se sente incompreendido;
* Em alguns momentos você se sente sozinho;
* Pessoas egoístas te aborrecem;
* Alguém te decepcionou

Sim! Alguém te decepcionou!! Quem nunca passou por isso?? Qualquer um já sofreu uma decepção. Mas por que toda a platéia ficou convencida dos poderes extraordinários do ator? Porque sentiu que ele compreendia seus dramas. E é isso que uma pessoa que procura esse tipo de serviço quer. Não importa muito se o cara é um charlatão, importa encontrar alguém que entenda tanto seus problemas que pareça adivinhá-los antes mesmo que sejam ditos. E que problemas são esses? O parapsicólogo responsável pela orientação do ator enumerou três: dinheiro, saúde e amor. É, mas aqui no Rio de Janeiro não vemos ninguém dizendo: "seu emprego de volta em três dias" ou "curo seu familiar imediato". Sim, são brigas difíceis demais de comprar. Ou talvez, a procura por ajuda desse tipo seja pouca, afinal, com um pouco de disposição para distribuir curriculos, o emprego pode vir, e um bom médico pode tratar um doente com sucesso. Mas, e nos casos de decepção amorosa? A quem recorrer? A fragilidade que torna o ser humano incapaz de lidar com a rejeição da pessoa amada acaba sendo a brecha para que pessoas honestas ou não se proponham a entrar em contato com o mundo espiritual para ajudá-las. Em troca, é claro, de um certo valor em dinheiro.



"Trago a pessoa amada em dois dias"

Os postes das ruas do subúrbio do Rio de Janeiro apresentam uma característica interessante: são considerados por pais e mães-de-santo o lugar ideal para o anúncio de seus serviços, que consistem em jogo de búzios e cartas a 5 reais e em “amarrações”, como são chamados os feitiços feitos com o intuito de manter a pessoa que se ama a seu lado, tornado-a cega para qualquer outra, ou trazê-la de volta, caso o relacionamento tenha terminado.A julgar pela forma como são anunciadas, as amarrações são infalíveis. Pais e mães-de-santo prometem: trago seu amor de volta; trago seu amor gamado;trago seu amor em dois dias. Dois dias?? Qualquer pessoa com um pouco de memória há de lembrar que antes o prazo oferecido era de três dias, e não de dois. Há, ainda, um anúncio que promete: trago seu amor rastejando imediato, o que deixa margem para que cogitemos um prazo ainda menor que dois dias. Estariam as entidades afrobrasileiras mais eficientes ou a concorrência no ramo teria forçado o oferecimento de prazos cada vez menores?

Além dos prazos curtíssimos necessários para que os feitiços façam efeito, outra característica que chama atenção nestes anúncios é que não se promete apenas o retorno do grande amor. Garante-se que a pessoa volta gamada e rastejando - detalhe importante, afinal, nada mais desagradável do que ter alguém ao nosso lado com a cabeça no mundo da lua e completamente descomprometido com a relação. Se além de gamado puder voltar capacho, melhor ainda.

Sem entrar na questão da eficiência destes feitiços, uma coisa é inegável: as amarrações estão presentes no imaginário popular, e a literatura brasileira está aí para comprovar.

Recentemente, reli o livro Agosto, talvez o mais famoso romance policial de Rubem Fonseca. Neste romance, a personagem Salete, amante de uma figura da política, é na verdade apaixonada pelo comissário Mattos, com quem também mantém um relacionamento. Sofrendo com a indiferença com que Mattos a trata, Salete recorre aos serviços de mãe Ingrácia, esperando que “por efeito da magia negra da velha macumbeira, tão logo entrasse no apartamento de Mattos o comissário a pegaria entre os braços e, depois de um beijo ardente, a pediria em casamento.” (p. 81) O resultado foi decepcionante. Mattos abre a porta e a única coisa que faz é se queixar de sua dor de estômago. Inconformada, Salete retorna ao terreiro e ouve a seguinte explicação: “Quando a cueca do homem não faz efeito só existe uma coisa que dá resultado. [...] Uma casquinha de ferida. Você tem que me arranjar uma casquinha de ferida do homem.” (p.88)

Rubem Fonseca fornece uma informação importante. Antes de ir a um terreiro, é preciso providenciar uma peça de roupa da pessoa amada, de preferência uma cueca. Fotografia também serve. O poder mágico das fotografias é bem antigo, e se hoje ninguém evita ser fotografado por medo da alma ser capturada pela câmera, ainda acredita-se que a imagem impressa de uma pessoa é capaz de substituir sua presença. Passando da literatura à vida real, minha amiga Camila namorava um rapaz estrangeiro e sua mãe o alertou para que ele jamais lhe desse uma fotografia pois, segundo ela, as mulheres brasileiras tem o costume de fazer macumba para segurar os homens. Minha amiga, que nem “macumbeira” é, virou suspeita aos olhos da sogrinha pelo simples fato de ser brasileira. Mas, por que falar apenas das religiões afrobrasileiras? No programa Fala que eu te escuto, os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus anunciam o Domingo da transformação da família da água para o vinho, garantindo que basta ter fé e orar a Deus para que os maridos larguem suas amantes, deixem de beber e passem a tratar as esposas com carinho, ao invés de agredi-las. Como é bem difícil convencer um marido arredio a ir ao culto, os pastores aconselham que as esposas levem uma fotografia ou peça de roupa dele. Como se vê, religiões que nada tem a ver com os cultos afrobrasileiros também solicitam peças de roupa e fotografias, considerando que estes elementos são capazes de potencializar as orações.

Minha tia também já advertiu meu primo para ter cuidado. Ela o aconselhava que evitasse comer qualquer coisa que lhe fosse oferecida na casa de uma certa namorada pois, como ela freqüentava a umbanda, era bem capaz de dar algo “preparado” para ele comer. Segundo alguns, feitiços ingeridos são dificílimos de serem desfeitos – mas facílimos de serem feitos. Um exemplo bastante conhecido é usar como coador de café uma calcinha que se vestiu por três dias seguidos. Meu ex-noivo, pessoa totalmente avessa a simpatias e descrente da existência do mundo espiritual, fazia piada com um amigo que era muito apaixonado, dizendo: “cara, você só pode ter tomado café coado na calcinha.”

Cueca, fotografia, casca de ferida, alimentos preparados ... afinal, quais são os ingredientes necessários para se fazer uma amarração? A julgar por um anúncio que vi recentemente, atestando existir 21 tipos de amarração, estes ingredientes podem ser os mais variados. Maçãs, mel, velas vermelhas e açúcar são elementos obrigatórios. Há também corações esculpidos em cera, no interior do qual se deve colocar o nome do casal escrito em um papelzinho. Já a miniatura de um casal esculpida em cera pode ser usada tanto para separar um casal quanto para uni-lo mas, quando se trata de separação, a vela utilizada no procedimento não é vermelha, e sim preta. Entrando no terreno do repugnante, há casos em que esses elementos não são suficientes. Se a pessoa está no caminho da outra, o termo usado nem é feitiço, e sim “encantamento”. Mas se ela não está, é preciso recorrer a métodos mais radicais, como matar uma galinha, retirar seu coração ainda batendo e dentro dele colocar um papel com o nome das duas pessoas que se pretende que venham a formar um casal. Ou então, espremer o absorvente para retirar o sangue da menstruação e injetar em algum alimento que o outro vá comer.

Acredito que alguém que consiga a pessoa amada por esses meios não deve se sentir plenamente satisfeita, vivendo assombrada pela certeza de que, se fosse espontaneamente, a outra pessoa talvez não estivesse com ela. Eu mesma já passei por algo semelhante quando meu noivado com André, que parecia tão estável, terminou do dia para na noite sem que eu tivesse percebido qualquer sinal de crise. Naquela época, eu não era frequentadora da umbanda (e ainda hoje só frequento esporadicamente) e, portanto, não recorri às amarrações. Mas fiz muitas coisas, das quais hoje me envergonho, para reatar o relacionamento: emails com declarações de amor, cartões virtuais, cartas com corações desenhados, ajuda do ex-cunhado e uma travessa de brigadeiros, o doce favorito do meu ex-noivo. Além de tudo, recorri ao mundo espiritual à maneira dos católicos, fazendo uma trezena a Santo Antonio. Oficialmente, católicos não fazem amarrações, mas nem por isso estão desamparados em seus problemas amorosos, pois há o casamenteiro Santo Antonio para escutar as preces dos que tem o coração partido. O que consegui com tudo isso? Vencê-lo pelo cansaço. André voltou a se relacionar comigo, eu voltei a dormir em sua casa nos fins de semana e feriados, mas após a euforia inicial bateu um tremendo arrependimento, pois como ele não voltou espontaneamente, eu sempre achava que estava comigo contra a vontade. Um ou dois anos depois, nosso noivado terminou de vez, por iniciativa minha, que já estava apaixonada pelo Alan. É claro que ocultei esse fato e usei uma desculpa qualquer para terminar. Enfim, eu só consegui uma sobrevida para um relacionamento que já tinha acabado, mas eu não queria aceitar.


Não vou dizer que nunca pensei em recorrer a um feitiço. Fui criada na religião católica, fiz primeira comunhão como manda o figurino, mas fugi da Crisma. Hoje, sou uma pessoa bem confusa em termos religiosos. Já frequentei reuniões kardecistas, nas quais recebi psicografias de legitimidade incontestável, vou à missa de vez em quando, assisto Fala que eu te escuto quando estou com insônia e no dia de São Jorge vou à festa de Ogum em um terreiro de umbanda. Certa vez, em dia de consulta, Zé Malandro da Estrada me viu sofrendo muito pelo Alan e se propôs a ajudar em algo que nem era da sua alçada, já que os problemas de amor devem ser levados às Pombogiras. Apesar de afirmar categoricamente que eu iria me arrepender, porque Alan não prestava, Zé Malandro ditou alguns ingredientes para que eu fizesse um feitiço eficientíssimo, eu anotei tudo, guardei o papel e fiquei de pensar se fazia ou não. Acabei sendo assaltada uma semana depois e lá se foi o papel junto com a bolsa.


Por que hesitei em fazer o feitiço? Primeiro, porque aprendi a lição de que estar com alguém só é bom se for espontaneamente; segundo, porque tive a oportunidade de observar muitas mulheres que, embora tivessem conseguido segurar o marido através de feitiços, nem sempre conseguiam afastá-lo das amantes, e voltavam pedindo ajuda novamente. Assim, gastavam dinheiro e energia em algo que não trazia o retorno esperado. Isso prova que, se o relacionamento já está de fato destruído, nem a ajuda do mundo espiritual dá jeito.

Acreditar ou não na eficiência das amarrações? É moralmente aceitável recorrer a elas? Pais e mães-de-santo que anunciam seus serviços nos postes são honestos ou charlatões? É digno alguém colocar sua mediunidade a serviço dos caprichos mais egoístas do ser humano? São muitas as questões que esse tema suscita e quem é umbandista por amor geralmente condena tais procedimentos(http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=1171613&tid=5321656696909098833).
O tema é sem dúvida polêmico, mas uma coisa é certa: só há quem se diga capaz de entrar em contato com o mundo espiritual, fazendo da solução de problemas amorosos sua profissão, porque há quem acredite que espíritos podem voltar à Terra para ajudar pessoas que sequer conheceram em vida. Isso revela que um dos maiores dramas do ser humano é saber lidar com a rejeição, e só o fato de encontrar quem se disponibilize a comprar sua briga, ainda que seja no mundo espiritual, já é um conforto para quem sofre por amor.

sábado, 11 de abril de 2009

Blusas de botão

Nenhuma peça do vestuário masculino é tão controversa quanto a blusa de botão. Se for quadriculada, colocada para dentro da calça e o cinto for usado como acessório, não há dúvida: é horrível. Por outro lado, há pessoas na qual esse tipo de blusa fica muito bem, mas tão somente se não for colocada para dentro da calça. Em geral assenta bem em homens mais velhos.
Não era, seguramente, o caso de Alan. Quando o conheci, o achei super jovem, achei que tinha no máximo 28 anos. Logo fiquei sabendo que, na verdade, Alan tinha trinta e poucos, o quem vem a confirmar minha total inaptidão para atribuir idade às pessoas. Aquela pergunta “quantos anos você me dá?”, que às vezes surge no meio de uma conversa, sempre me foi bastante constrangedora, me obrigando a dizer uma idade muito menor do que me parecia, por medo de atribuir uma muito maior e acabar desagradando a pessoa.
Pois bem, a princípio achei que Alan tinha no máximo 28 anos, e só vim a me apaixonar por ele um tempo depois de conhecê-lo. Na ocasião em que meu cérebro reagiu animadamente à sua figura, estava frio, e ele usava um casaco laranja, revelando seu gosto por cores cítricas. Ele estava absolutamente lindo e, como eu era uma novidade naquele ambiente de trabalho, ele também se interessou por mim e fez questão de puxar conversa. No dia seguinte, ele estava todo animadinho, mas o vestuário era um horror: blusa de botão azul quadriculada, de manga comprida, pra dentro da calça bege e de cinto. No mesmo dia, descrevi esse vestuário para minha amiga e arrematei a descrição com a seguinte pergunta: “como pude me apaixonar por uma pessoa que se veste desse jeito?”
Logo fiquei conhecendo o variado guarda-roupa de Alan. Felizmente, este não era composto apenas de blusas de botão, mas de blusas mais modernas e joviais, geralmente verdes. Certa vez ele, que não estava nos seus melhores dias, foi trabalhar com uma simples blusa branca sem detalhes, calça jeans e tênis. Fiquei tão feliz por vê-lo vestido assim que o elogiei entusiasmadamente. Mas ocasiões como essa eram raras. Sempre reclamei de suas blusas de botão e pedia que ele pelo menos as usasse para fora da calça, mas nunca fui atendida. Havia uma particularmente horrorosa, quadriculada e roxa, ele sempre me pareceu pálido naquela blusa, mas provavelmente a palidez era coisa da minha cabeça, pois sua cor indígena é tão marcante que acho que ele nunca empalideceu, nem mesmo em caso de doença.
O fato é que as blusas de botão, sempre pra dentro da calça, acompanharam todo o nosso curto relacionamento, jamais me impedindo de me apaixonar cada dia mais por aquele ser. No primeiro beijo, era uma blusa rosa quadriculada, em tom pastel, e essa blusa até achei bonita. No entanto, esse vestuário não era apenas feio, mas bastante inconveniente, pois ele sempre voltava amassado para casa e talvez essa tenha sido a primeira evidência que levou Lúcia a desconfiar, para logo ter certeza, de que ele a traía.
Alan também não gostava das minhas roupas, chegando mesmo a dizer que eu me vestia como uma suburbana. Achei aviltante que ele, também um suburbano, usasse esse termo como sinônimo de coisa ruim. Certa vez ele criticou minhas calças de cintura baixa e minhas blusas de alça, que sempre deixavam a mostra um pouco da barriga. Como viu que fiquei chateada, tentou consertar, elogiando minha sandália logo em seguida.
Infelizmente, logo passou a fase em que Alan tentava consertar as coisas que falava pra mim. Ele não apenas passou a não se importar mais quando me magoava como fez disso seu principal esporte. Tanto é assim que dizia que me amava, mas em nenhuma das cinco vezes em que foi posto pra fora de casa aproveitou a ocasião para assumir nosso relacionamento. Continuava comigo, mas às escondidas, e mal eu virava as costas ele já estava entupindo o celular de Lúcia de mensagens, nas quais implorava para que ela o aceitasse de volta. Tentando se isentar da responsabilidade de estar mantendo uma amante, tentava convencê-la de que a crise que eles estavam passando era “coisa feita”, ou seja, que eu andava lançando mão de feitiçarias, das quais as religiões afro-brasileiras são conhecidas por oferecer, para que seu casamento acabasse.
Uma das vezes em que ele voltou pra casa, para ser expulso novamente no mês seguinte, foi particularmente marcante. Alan foi trabalhar com uma cara tão saudável que logo ficou patente que era o casamento, e não sua relação extraconjugal, que o fazia feliz. Eu estava na porta de uma sala e ele chegou todo falante. Observei logo sua blusa de botão, cuja cor agora não lembro, super bem passada. Estava clara minha inferioridade em relação àquela esposa, pois eu jamais saberia passar roupa com aquela maestria. Naturalmente, aquela era apenas uma evidência de sua competência como dona-de-casa, pois provavelmente também cozinhava bem e mantinha a casa sempre arrumada e limpa. Alan conhecia minha casa e meu desleixo, e obviamente jamais largaria aquela esposa para ficar comigo.
Como Lúcia não o completasse inteiramente apesar de sua aptidão doméstica, continuei sendo amante de Alan. Novamente não fomos discretos o suficiente para que ela não descobrisse que continuávamos juntos e Lúcia, em um acesso de cólera, colocou Alan pra fora, mudou a fechadura da casa e despachou todas as suas coisas em uma Kombi para a casa da mãe dele. Livros, roupas, coleção de carrinhos, nada foi esquecido, o que obrigou a Kombi a fazer umas três viagens. Diante disso, que amante não pensa que chegou a hora de ser a oficial? Comecei a me preocupar em aprender a passar roupa. Pedi a dona Inês, que passava roupa semanalmente aqui em casa, para me ensinar. Ela pegou uma blusa de botão do meu pai e começou a explicar: primeiro a gola, depois estica bem e passa esse lado, depois vira e passa o outro... aquilo me pareceu impossível! Quando eu virasse a blusa, acabaria amassando a parte que já estava passada. Seguramente eu não servia para esposa, e quando não temos essa aptidão, de nada adianta sabermos transar muito bem.
Desesperado com a perspectiva de que seu casamento acabara para sempre, Alan terminou comigo e, tenho que reconhecer, teve uma disciplina incrível para mostrar à Lúcia que tinha mudado. Meses depois, ela o aceitou de volta, e dessa vez ele não mais me manteve como amante.
Meses depois de nosso término definitivo, tive acesso a umas fotos dele publicadas, talvez propositalmente, na Internet. Eram fotos da noite de ano-novo e a seqüência consistia no seguinte: Alan abraçado com a esposa; Alan abraçado com a enteada; Alan beijando a esposa. Ele estava lindo como sempre e tinha engordado – evidência incontestável de um casamento feliz. Usava uma blusa de botão em tom azul pastel, pra dentro da bermuda, felizmente sem cinto. A família se reorganizou, como se Alan jamais tivesse pronunciado a frase de que não amava mais a esposa e como se nenhuma amante tivesse existido. E eu, já não me visto como antes. Bom, as calças continuam de cintura baixa, mas agora tenho a preocupação de não mais deixar a barriga aparecer, escolhendo blusas mais compridas. E naturalmente não posso mais deixar de notar um homem usando uma blusa de botão bem passada, procurando em seguida sua mão esquerda para, invariavelmente, identificar uma aliança. Blusas de botão bem passadas sem dúvida evidenciam casamentos felizes.