domingo, 3 de maio de 2009

Coisas que precisam ser ditas

O relacionamento já não vai tão bem, mas nenhum dos dois parece disposto a terminar. Talvez seja só uma crise passageira, quem sabe na semana que vem tudo volte a ser como antes. Então, é preciso manter os hábitos e continuar dizendo as mesmas frases, para que o outro não cisme de discutir a relação. É preciso também manter aquele caso debaixo dos panos, afinal, não dá pra ter certeza se vai pra frente. E, bem naquele momento em que você está pensando em qualquer coisa, menos no namorado, ele diz: “Amor, te amo. Quero ficar com você pra sempre.” Não, você não quer nem pensar em mais um mês de namoro, quanto mais em relacionamento eterno. Mas, sejamos razoáveis, dá pra dizer isso? Diante daquele “eu te amo”, só resta dizer: “também te amo, amor”.

A verdade é que há coisas que precisam ser ditas em relacionamentos, mesmo que não sejam sinceras. Em namoros longos, essas coisas são ditas por hábito, de forma automática, assim como é automático aquele beijo que se dá para cumprimentar o namorado quando ele chega na sua casa. Em relacionamentos inventados de última hora apenas para preencher o vazio que outro deixou, elas são ditas para dar maior veracidade a um namoro que você sabe que é de mentirinha, mas que o outro precisa estar convencido de que não é.

Sempre me choquei com a prontidão com que o Mauro acatava como verdadeiras minhas demonstrações de carinho. Todas muito falsas, mas para ele não pareciam artificiais. Eu dizia sentir saudades, quando na verdade não havia pensado nele nenhuma vez sequer. Eu dizia que ele era importante pra mim, mas a verdade é que se ele sumisse da face da Terra, não me faria a menor falta. Mas eu precisava dizer essas coisas, talvez por desejar que se tornassem verdadeiras de fato, e também para não ficar tão óbvio que eu só estava fazendo uso de sua companhia para tentar esquecer outro, que sob todos os aspectos era mil vezes mais interessante que ele.

Certa vez eu e Mauro andávamos pelo shopping observando roupas masculinas. A cada casaco bonito que eu via, perguntava se ele tinha gostado. Interessante que eu meu preocupe tanto com o gosto dos outros para se vestir, quando na verdade me visto com tanta simplicidade que quase beira o desleixo. O gosto do Mauro não era estranho, mas ele abominava qualquer tipo de detalhe em roupas e gostava de camisas pólo azuis, que o deixavam com cara de estar sempre uniformizado. Mauro não gostou de nenhum casaco que eu apontei. Como eu sabia que sua irmã costumava entender seu gosto e presenteá-lo com roupas, eu comentei: “é, pelo jeito só sua irmã para comprar roupa pra você”. Qual não foi a minha surpresa quando ele rebateu da seguinte maneira; “ih, senti um certo ciúme nesse comentário!” Fiquei chocadíssima e pensei: “como alguém pode ter uma percepção tão errada da realidade?” Mas isso ficou só no meu pensamento, dei um sorriso fingindo que de fato estava com ciúme e continuamos nosso divertidíssimo passeio.

O ciúme não existia, mas adquiriu uma veracidade impressionante. Quantas vezes terei eu também percebido a realidade de forma equivocada quando estava com Alan? Tudo me parecia tão verdadeiro, sua empolgação, seus elogios, os “eu te amo” que ele dizia... uma vez escrevi “eu te amo” de lápis no caderno dele e logo em seguida apaguei. Ele pegou uma caneta, escreveu “eu te amo” no meu caderno e disse: “quero ver apagar agora”. Eu ficava absolutamente convencida de que ele me amava, mas hoje vejo que ele precisava dizer aquilo para não ficar tão óbvio que ele só sentia atração física.

Em relacionamentos longos, um fala que ama e o outro finge que acredita, em nome da manutenção da rotina. Em relacionamentos que começam, um fala que ama e o outro até desconfia, mas acaba acreditando, por vontade de que o relacionamento vá pra frente.

Um comentário:

  1. "Em relacionamentos que começam, um fala que ama e o outro até desconfia, mas acaba acreditando, por vontade de que o relacionamento vá pra frente".

    É verdade, isso aconteceu comigo, mas não foi porque era um relacionamento inventado ou forçado e sim fruto da patologia mental que ele sofria. O problema de saúde dele provoca carências, afetividade exagerada que eu tomava, desconfiada como vc diz, como demonstração de algo profundo e intenso pela simples vontade de ter o orgulho de despertar isso numa pessoa.

    Bom, o fim foi trágico.

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