terça-feira, 20 de abril de 2010

Papo de dona Maria


Se existe algo capaz de atravancar a felicidade de uma pessoa, este algo se chama serviço doméstico. Nem todos sabem o que é ter uma pia de louça, um banheiro pra lavar e um chão para deixar brilhando. Mas, como nem eu nem meu marido temos condições de pagar alguém que faça essas tarefas desagradáveis, não faço parte do seleto grupo de pessoas que apenas supervisiona o serviço ou do grupo de mulheres plenamente emancipadas que chegam do trabalho e encontram a casa em ordem.

Na verdade, não me casei esperando ser feliz e foi com tristeza que constatei que as pessoas ao meu redor acreditavam mais no meu casamento do que eu. Mesmo não tendo me casado oficialmente, ganhei muitos presentes, a maioria presentes caros, e cada vez que eu recebia um deles me sentia na obrigação de ficar casada bastante tempo, para não decepcionar as pessoas que apostavam no sucesso da minha relação. Eu não podia contar para ninguém que a decisão de morar junto com alguém que eu havia conhecido há apenas 3 meses nada tinha a ver com amor. Eu apenas queria sair da casa dos meus pais, mas jamais poderia fazer isso sozinha, pois meu salário era baixo demais para permitir arcar com todos os custos. Assim, eu precisava de alguém que dividisse as contas comigo. Além disso, havia o desejo de engravidar, o que eu até poderia conseguir sem me casar, mas a estutura da casa dos meus pais não comportaria mais um habitante.

Quando o Lucas apareceu na minha vida, parecia a pessoa perfeita, pois ele morava sozinho e queria se mudar do pé do morro, tinha vontade de ter filhos e era perfeitamente saudável - nem resfriado se criava nele. Para fechar o pacote, ele não é feio, o que me levou a concluir que seus genes eram os ideais para a reprodução. Enfim, meu casamento se pautou em valores puramente racionais. Tudo poderia ser assim pereitamente burocrático, uma convivência minimamente pacífica poderia surgir, não fosse um porém: o serviço doméstico.

Nunca, jamais, em tempo algum o serviço doméstico termina. Ele absorve tanto do nosso tempo que logo deixamos e nos cuidar. Afinal, pra que ir a manicure? O esmalte vai descascar no mesmo dia. Pra que fazer escova? Pra lavar o banheiro logo depois? E como ter vontade de transar depois de esquentar a barriga do fogão e ficar com a mão cheirando ao alho do refogado? Pior do que ser dona de casa em tempo integral, só mesmo fazer jornada dupla. Este é meu caso. As idas ao cabeleireiro já escassearam imensamente, as relações sexuais não são frequentes, os fins de semana e feriados não são mais usados para o lazer e todo meu tormento é trabalhar fora e tentar manter a casa minimamente capaz de receber uma visita.

Terça-feira, véspera de feriado, chego em casa à noite e encontro a pia com louça até o teto. Todos, absolutamente todos os talheres haviam sido usados. Começo a lavar e encontro tantos, mais tantos resíduos de alimento dentro da pia que começo a achar o Lucas a pessoa mais porca do mundo. Esse é o preço que e pago por ter um marido moderno, que não se importa em cozinhar: quando ele se responsabiliza pelo almoço ou pela janta, a cozinha se torna o lugar mais nojento da face da Terra.

Enquanto eu lavava a louça e ele ficava de frente para computador fumando, mil coisas se passaram pela minha cabeça. Começo a pensar que se eu morasse sozinha, não haveria tanta louça acumulada nem tantas roupas jogadas pela casa; que sozinha, eu poderia chegar do trabalho, dormir e só cozinhar a hora que eu tivesse vontade. Quis parar imediatamente o que estava fazendo para dizer a ele que não queria mais aquele casamento. Não era o alcoolismo, a falta de dinheiro nem a inaptidão para o trabalho os fatores que mais me incomodavam nele. O que mais me incomodava era a desorganização e a falta de higiene, que faziam do meu serviço doméstico algo ainda mais insuportável. Apesar de ter concluído tudo isso, engoli seco e fiquei na minha. Percebi que fiquei no meio do caminho: não fui criada para ser dona de casa, mas preciso desempenhar essa função; fui criada para trabalhar fora e ter meu próprio dinheiro, mas o peso da tradição me fez escolher o magistério, uma profissão mal remunerada que impede minha emancipação completa. Vou pecisar conviver com o Lucas enquanto não puder arcar sozinha com as contas da casa. Ou, talvez, quando ele se tornar o príncipe encantado que salva a gata borralheira do esfregão, pagando uma funcionária para o lar, a felicidade comece a despontar. Mas, não será aí que o alcoolismo vai começar a incomodar e que outros problemas começarão a aparecer? Não, não existe felicidade conjugal. Pelo menos para mim.

3 comentários:

  1. :|
    Meu Deeus...to chocada com a sua situação.
    É nessas horas que a gente pensa "E eu que achava que o meu maior problema era aquele Amor que só machucava".
    Já aconteceram coisas que eu desejei que esse também fosse o meu maior problema. Mas infelizmente a gente aprende que nada é tão ruim que não possa piorar :/
    Sorte! É tudo o que eu posso fazer :/

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  2. Amiga, mesmo sendo virtual, obrigada por acompanhar os meus dramas e me desejar sempre o melhor.

    Beijos

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  3. O meu maior amor é "virtual", o que você esperava? :)
    Vou continuar acompanhando, e quando pudermos conversar é só mandar um e-mail :)
    beijos

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