sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Pelo buraco da fechadura: o fascínio de Nelson Rodrigues

Ah... meus 21 anos... eu frequentava a faculdade (que na época odiava) e vivia com um livro de ficção debaixo do braço. Não, eu não fazia "leitura axilar", como meu professor orientador descreveu, a título de brincadeira, a postura de um aluno que andava pra cima e pra baixo com um livro, sem jamais abri-lo. Eu lia mesmo, e nenhuma das leituras era condizente com o curso que eu fazia. Na verdade, não é que não fossem condizentes, pois qualquer leitura sempre nos enriquece, mas os textos acadêmicos que eu xerocava sempre mereceram menos atenção que a ficção. Houve uma fase em que me fascinei por Lima Barreto; em outro momento, inspirada pelo samba da Unidos da Tijuca de 2001, intitulado "A Unidos da Tijuca apresenta Nelson Rodrigues pelo buraco da fechadura", cismei que era um absurdo jamais ter lido nada de tão conhecido escritor. E, por sorte, algo se comemorava em relação a ele e a Companhia das Letras estava lançando inúmeros textos de Nelson, com capas belíssimas. Sim, sou o tipo de leitora que adora uma bela capa. Certa vez, pedi para o meu pai comprar um livro do Graciliano Ramos e destaquei: "compra o da capa mais bonita", pois na época a editora Record estava lançando edições bem caprichadas das obras de Graciliano. Não adiantou nada o aviso e meu pai veio com uma capa bem acabadinha, o que me fez pensar que ele recorreu a algum sebo para adquirir o livro "Insônia". Em 2007, quando fui à bienal do livro com a minha amiga, sempre que eu me deparava com um livro que eu já tinha, comentava: "eu tenho, mas a minha capa é mais bonita"; ou, então, me lamentava: "aaaahhh! essa capa é mais bonita do que a da minha edição!"

Não sei precisar se aos 21 anos eu lia Nelson Rodrigues com uma ótica muito diferente da que leio hoje. Mas, uma coisa eu lembro: naquela época, jamais dei uma risada lendo os contos de "A vida como ela é". Hoje, eu simplesmente morro de rir de algumas cenas. Uma coisa que adoro é quando, antes de descrever algo inusitado, o narrador diz: "certa vez, foi até interessante" - que humor pode existir em uma expressão como essa, não sei, é coisa do meu cérebro.

Outro aspecto que me chama atenção é a teatralidade absurda que Nelson coloca em seus textos. Seus personagens quase sempre apresentam reações exageradas, entram em desespero, pensam em meter uma bala na cabeça, em matar alguém, se expressam aos brados, abusam das interjeições. Isso dá uma certa comicidade às tramas, pelo menos na minha ótica.Há também oscilações, sem lugar para meio-termo. Ou seus personagens vivem lutos severíssimos diante de algum falecimento ou ignoram por completo a situação, considerando que aquela morte veio a calhar, tomando-a como ponto de partida para a felicidade.

Outra coisa que adoro são as expressões que aparecem nos textos de Nelson: "é espeto!", "ora pipocas!" ,"que mágica besta!", "natural!", "dinheiro, mulher e outros bichos", "é golpe!" , "sacode o braço até as nuvens", "bate o telefone", "vamos e venhamos", "compreendeu?", "batata!", "você iria num lugar assim, assim...", "temia mais o jugamento da vizinha do que o juízo final", "que esperança!" , "caiu das nuvens"... são tantas as expressões que nem sei qual é a minha preferida.

No próximo post, sem qualquer intenção de imitar o misnovels.blogspot.com, pretendo analisar um ou outro conto de "A vida como ela é". Afinal, quase todos são condizentes com o tema desse blog.

Um comentário:

  1. Ler é um dos melhores transportes pra fora da realidade e eu adoro dar aquela esquecida do mundo aqui.
    hahah, tbem tenho umas reações dignas de personagens desse escritor então. Me sinto num filme dramático às vezes, só que sem fingir, sem realmente atuar...o que é consideravelmente diferente.
    Adorei as expressões que citou do Nelson Rodrigues!Cômicas mesmo!

    Esperarei sua análise, e tenho quase certeza que vai me dar vontade de ler A Vida como ela é, ainda mais se tem a ver com essas situações todas.

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